Por Thais Matarazzo
Crônica em homenagem ao Dia Mundial do Rádio comemorado em 13 de fevereiro.
Izaura Marques em 20/4/2013. Foto: Gilberto Cantero |
Todas às vezes que estou no ICESP na Av. Dr. Arnaldo, onde faço tratamento oncológico, vejo lá do alto do prédio o Cemitério do Araçá, seu parque arbóreo, as capelas, as obras de arte tumulares, o predinho do velório, e ao fundo muitos prédios e a Serra da Cantareira.
Não, não vou escrever sobre nada funesto ou tristonho! Muito pelo
contrário, quero recordar nesta crônica uma pessoa nota 1000 que conheci
durante o tempo em que me dediquei às pesquisas históricas sobre o rádio e seus
artistas: a d. Izaura Marques.
Pensa em uma senhorinha bem-humorada, de bem com a vida, espirituosa,
comunicativa e carismática com todos, sem exceção, era d. Izaura!
Nascida em Socorro, interior de São Paulo, em 1923, ainda menina iniciou
sua carreira em rádio na cidade de Campinas. Sempre atuou como radioatriz.
Quando veio morar na Capital, logo se destacou nas emissoras em que esteve,
como, Piratininga, Panamericana, Rádio São Paulo, Excelsior e Nacional.
Izaura Marques em foto colorizada, década de 1940 |
Trabalhou também na TV Paulista, lá conheceu seu futuro marido, Antônio
Pfizer, com quem se casou e teve duas filhas. Com sua veia cômica
inconfundível, tomou parte nos programas do humorista e empresário Manuel de
Nóbrega, compondo ainda a sua famosa caravana, realizavam shows pelos bairros
da cidade e em circos. Junto com Canarinho e Nóbrega, divertia o público no
quadro do Ventríloquo, apresentado no programa Praça da Alegria. Izaura
e Canarinho eram os bonecos, Nóbrega o ventríloquo. As falas eram todas
improvisadas.
Foi dubladora de longas metragens e séries, a de maior sucesso foi o Nacional
Kid, o primeiro filme japonês com efeitos especiais que veio para o Brasil.
Em sua carreira também colaborou com vários periódicos, livros e
trabalhos acadêmicos. Escrevia contos e participou de várias edições da
antologia O Conto Brasileiro de Hoje (RG
Editores).
Conheci a d. Izaura por intermédio da Neusa Guerreiro, também habitué
das reuniões dos colecionadores de discos do Pátio do Colégio. Ela comentou que
fazia um curso de escrita na USP e na sua turma tinha uma senhora que trabalhou
em rádio, além de acessível esbanjava alegria e disposição.
Rapidamente, contatei a d. Izaura e foi uma surpresa feliz. Fizemos
amizade e, em seguida, todos os eventos que organizávamos em homenagem aos
artistas do rádio, lá estava ela acompanhada da sua filha, outra pessoa gente
fina.
Quando ela chegava, era uma festança, se enturmava rapidinho. Era uma
figura magrinha, mignon, parecia ser tão frágil, mas que nada! Tinha uma força extraordinária!
“– Comigo não tem tempo ruim!” – falava sempre.
Contagiava todas as pessoas nesses eventos, naturalmente atraía as
atenções com sua espontaneidade, e a turma vinha para tirar fotografia, pedir
autógrafo, dar um abraço, conversar, e ela atendia a todos e até improvisava uma
personagem perua e estrelíssima, com ares de diva, ela fazia trejeitos
engraçadíssimo e todos caiam na gargalhada!
Sem frescuras e sem vedetismo, d. Izaura nos ensinava que tínhamos que
aproveitar o presente, se divertir acima de tudo e cultivar a alegria.
Diego Nunes, Leila Silva, Izaura Marques, Thais Matarazzo, em 20/4/2013. Foto: Gilberto Cantero |
Não se negava a narrar as suas memórias, mas quando terminava, sempre
tinha uma piada para contar e dizia que o que passou... passou! Afirmava que a história
é importante, porém, o mais valioso é fazer valer cada momento da vida, como
uma festa.
D. Izaura morava em Santana, estive algumas vezes em seu apartamento. Ela
me mostrou algumas fotografias e recortes de jornais, mas nunca consegui a
entrevistar direito, porque ela começava a falar de um assunto, passava para
outro e no fim estávamos dando risada de alguma outro episódio.
Na ocasião da conclusão do curso de Jornalismo, em 2011, optei por fazer
o TCC voltado para as memórias do rádio, meu objeto de estudo foi a Rádio
Record. D. Izaura me concedeu uma entrevista, revelou que algumas vezes foi
escalada para trabalhar nos programas da Record, pois era contratada da Rádio
S. Paulo, pertencente ao grupo das “Emissoras Unidas” administrada pela família
Carvalho.
Dois anos depois, em 2013, aproveitando o material da pesquisa
acadêmica, nasceu o livro A Música
Popular no Rádio Paulista, 1928 – 1960, e o lançamento aconteceu na Casa
Amadeus, antigo espaço ocupado pela Rádio Record, no Palacete Lara, na Rua
Quintino Bocaíuva, no centro histórico da pauliceia. Imagina só a emoção que
foi! E d. Izaura esteve lá conosco, esbanjando simpatia.
Poucos meses depois, quando lancei o livro A Dinastia do Rádio Paulista, em coautoria com Valdir Comegno,
tivemos a sorte de o lançamento acontecer no auditório da Ordem dos Músicos do
Brasil, na Av. Ipiranga. Foi uma evento espetacular! D. Izaura foi homenageada
junto com as cantoras do rádio. Aos 90 anos, ela já estava com a saúde fragilizada,
mesmo assim compareceu e ficou bastante emocionada. Nem poderíamos imaginar que
seria a última homenagem que prestaríamos em vida.
Foi triste receber a notícia do seu falecimento pouco tempo depois. Em
25 de julho, ela nos deixou. Junto com o amigo Diego Nunes, fomos nos despedir
da querida amiga no velório, no Cemitério do Araçá.
Devo registrar que a sala onde d. Izaura foi velada, irradiava um
sentimento de leveza. Seu ataúde estava todo decorado com margaridas, que
combinaram muito bem com sua personalidade. Apenas podemos ver o seu semblante,
estava serena e sua expressão dava-nos a impressão que ela foi em paz por ter
cumprido sua missão aqui na terra com dignidade, amor e muito bom-humor.
Sempre que me recordo de d. Izaura uma sensação de alegria brilha na alma, pois essa foi a impressão que ela deixou marcada em minha vida, e acredito que o mesmo acontece com todas as pessoas que compartilharam da sua vivência e da sua arte.
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