Entrevista com Luiz Vieira - parte 1

Entrevista realizada por Thais Matarazzo em 2012 com Luiz Vieira, no Rio de Janeiro, para o livro A Música Popular no Rádio Paulista, 1928-1960.

Luiz Vieira, 1954

As composições de Luiz Vieira são eternas! Como esses versos de “Menino passarinho”...

Poeta, cantador e violeiro, ao estilo sertanejo do nordeste, Luiz Vieira tem como slogans como Príncipe do Baião, Advogado do Nordeste e Menino Passarinho. Autor de aproximadamente 400 músicas como, Prelúdio pra ninar gente grande, Paz do meu amor - Prelúdio nº 2, Lua Nova e da saudade, Guarânia da Saudade, Inteirinha, Menino de Braçanã e Na asa do vento (com João do Vale), gravadas por cantores de diversas gerações.

Aos 88 anos, o poeta e cantador cativa gerações. Uma etapa marcante da sua trajetória artística aconteceu na cidade de São Paulo entre 1954 a 63, ligada à Rádio e TV Record, conhecida como “Emissoras Unidas”.

A Rádio Record surgiu em 1928, fundada por Álvaro Liberato de Macedo, três anos mais tarde, passou para Paulo Machado de Carvalho, que fez desta emissora paulistana uma das maiores do seu tempo. O primeiro estúdio ficava na Praça da República, em 1938 foi transferido para a Rua Xavier de Toledo, enfim, em 1941 mudou-se para o Palacete Tereza Lara, na Rua Quintino Bocaiuva, 22, onde permaneceria até 1961. Foi o seu período de auge, por onde desfilaram grandes nomes da música popular brasileira e do humor. Em setembro de 1953 surge a TV Record, canal 7, que fixou seus estúdios na região do Aeroporto, para onde a rádio também foi transferida. Muitos programas, como os Festivais da Música Popular Brasileira, eram gravados no Teatro Record, à R. da Consolação, e no Teatro Paramount, à Av. Brigadeiro Luiz Antônio.

Luiz Vieira é pernambucano de Caruaru, nasceu em 12 de outubro de 1928, filho primogênito do advogado e jornalista Luiz Rattes Vieira e de Anita Alves Gonçalves, portuguesa de Trás-os-Montes, cantora lírica e organista. O pai era fluminense, mas naquele momento passava com a família uma temporada no nordeste. O casal teve mais um filho, Lincoln. Por volta de 1931/32, Anita faleceu em decorrência do terceiro parto. A família sempre viveu em Alcântara, um bairro de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Após a morte da esposa, Luiz deixou os dois filhos pequenos no sítio Guapimirim, aos cuidados de seus pais, Luiz e Leopoldina Vieira - uma negra campista que escrevia versos, era cantadeira, repentista e tocava sanfona.

Cedo o menino começou a trabalhar, incentivado pelo avô. Chegou a estudar Direito, como o seu pai, mas nunca exerceu a profissão. Foi nas boates e cabarés cariocas que iniciou sua trajetória musical. Em 1943, apresentava-se em programas de calouros até ser contratado, três anos mais tarde, pela Rádio Clube do Brasil, com a ajuda de Zé do Norte, sanfoneiro e cantor, irmão de Luiz Gonzaga. Em seguida, Vieira passou por diversas emissoras.

Tivemos o prazer de entrevistá-lo na tarde de 26 de abril de 2013, na sede da Socinpro, no centro do Rio de Janeiro. O encontro foi intermediado pela amiga e cantora carioca Marion Duarte. De conversa fácil, foi impossível relembrar de tantos feitos artísticos ocorridos em São Paulo durante tantas décadas, por isso, orientado por nossas perguntas, o artista respondeu a todas as indagações com muita simpatia a franqueza.

 Thais Matarazzo – Quando deu-se sua entrada para a Rádio e TV Record?

Luiz Vieira – Foi em 1954 quando estourou Menino de Braçanã. Naquele momento, eu era conhecido como Príncipe do Baião, foi uma “dinastia” inventada pelos jornalistas: o Luiz Gonzaga era o rei, a Carmélia Alves a rainha, e a Claudete Soares a princesinha. Coisas da época... E de repente, em 1954, eu fique rico sem saber!

Eu tinha contratos assinados com a Rádio Tamoio e com a Rádio Tupi, inclusive, participei dos primeiros programas de televisão da TV Tupi aqui no Rio de Janeiro, em 1951. Da primeira emissora, ganhava como ordenado mil cruzeiros e da Tupi recebia 1500 cruzeiros. Trabalhava como um jumento para ganhar 2500 cruzeiros. No começo de 1954 eu estava realizando uns shows em Campina Grande, na Paraíba, quando recebi um telegrama do Rio de Janeiro enviado pelo meu irmão Lincon, com uma mensagem afirmando que o Almirante, a “Maior Patente do Rádio”, queria falar comigo urgentemente e que era pra mim voltar, pois a Record de São Paulo queria me contratar. Eu não dei muita importância e continuei mais uns dias fazendo minhas apresentações em Campina Grande.

Quando cheguei ao Rio, recebi passagens de avião para ir à São Paulo. Fui. O Almirante me apresentou ao Paulinho Machado de Carvalho, que dirigia a Rádio Record, foi feita uma reunião com toda diretoria da emissora. Conversaram comigo a respeito de apresentar programas semanais na rádio, de meia hora, e mais um programa na TV Record. Garantiam minhas passagens e estada no Othon Palace, um hotel muito chique que tinha ali perto do viaduto do Chá. Era muita esmola para um pobre como eu. Então, perguntaram quanto eu queria ganhar. Sem saber o que responder, indaguei quanto estipulavam me pagar. O Paulinho falou: “10.000 cruzeiros, tá bom?”. Quando ouvi a proposta, gelei e adormeci num desmaio de distração enorme! Pra quem ganhava 2500 cruzeiros trabalhando como um jumento no Rio...

Eu disse que eles estavam me confundindo com o Luiz Gonzaga, eles responderam que não... Na verdade, queriam me contratar para competir em audiência com a Rádio Tupi que tinha o Gonzaga como contratado. De repente... Fiquei milionário!!! Não só pelo salário como pela importância de ter um programa exclusivo, fato que só os grandes cartazes tinham. E um programa na televisão nem se fale... Na mesma época que fui contratado, em janeiro de 1954, também entrou para a Record a minha grande amiga Inezita Barroso[1], que eu chamo de Inês, o nome verdadeiro dela.

Luiz Vieira, Elza Laranjeira e Inezita Barroso, na Rádio Record, em 1954

[1]   Inezita Barroso, nome artístico de Ignez Magdalena Aranha de Lima (São Paulo, 4 de março de 1925 - São Paulo, 8 de março de 2015), foi cantora, atriz, instrumentista, bibliotecária, folclorista, professora, apresentadora de rádio e televisão brasileira. Ganhou o título de doutora honoris causa em folclore e arte digital pela Universidade de Lisboa e atuou também em espetáculos, álbuns, cinema, teatro e produzindo espetáculos musicais de renome nacional e internacional. Adotou o sobrenome Barroso ao se casar, em 1947, aos 22 anos, com o advogado cearense Adolfo Cabral Barroso, com quem teve uma filha, Marta. Durante mais de 30 anos foi a apresentadora do programa Viola, Minha Viola, da TV Cultura de São Paulo.

 

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