Entrevista Luiz Vieira - parte 2

 


                                             Luiz Vieira e seu avô Luiz, acompanhado do menino Manoelzinho, 1954


Entrevista realizada por Thais Matarazzo em 2012 com Luiz Vieira, no Rio de Janeiro, para o livro A Música Popular no Rádio Paulista, 1928-1960.

Continuação...

 T.M. – E como se chamou seu primeiro programa na Rádio Record?

L.V. – Retalhos do Nordeste. Era transmitido à noite, apresentado pelo locutor Jorge Medeiros. O auditório da Record era no primeiro andar do Palacete Lara, mas era muito pequenininho. Foi um sucesso logo de início. Os primeiros programas foram escritos por um produtor lá da rádio, cujo nome não me recordo. Mas ele escreveu cada absurdo, me revoltei. Ele não tinha ideia do que era o nordeste, também pudera, naquela época, tudo era difícil... No quarto programa não aguentei e resolvi eu mesmo produzir o script. Cheguei ao Rio e comprei uma máquina de datilografia, como nunca tinha usado uma levei umas cinco horas “catando milho” para datilografar quatro folhas, mas escrevi o programa. De volta a Pauliceia, entreguei o script para o jornalista. Ele não gostou e afirmou que se desse qualquer coisa errada, a responsabilidade era totalmente minha. Aceitei o desafio. No dia seguinte, o pessoal estava no corredor quando o Paulinho Machado passou e perguntou quem tinha escrito o programa do Luiz Vieira da noite passada? O responsável deveria se apresentar na sua sala imediatamente. Eu estava chegando e vi a cena, o jornalista prontamente afirmou que ele não tinha nada com aquilo e que o “culpado” era eu... O Paulinho, com o maior sorriso, me abraçou e disse que tinha achado ótimo! Resultado: passei a produzir meus próprios programas desde então.

Uma vez, acho que foi em 1957, trouxe para entrevistar no meu programa o cangaceiro Volta Seca, ele contou episódios ocorridos com o bando de Lampião, de que fez parte, e cantou bastante.

Fui agradando o público paulistano, cantava todos os ritmos do nordeste.

Fiz quatro séries de programas para a Rádio Record: Retalhos do Nordeste, O Nordeste Canta, Luiz Vieira canta e conta histórias e Música, Poesia e Romance, neste último participava o Trio Maraiá, que eu trouxe para a emissora em 1957. Esses fatos me deram enorme credibilidade junto com o Paulinho de Carvalho, ele é uma página inesquecível no livro da minha vida. Passou a confiar em mim e pedir sugestões para trazer para São Paulo os artistas em evidência no Rio, principalmente, do cast da Rádio Nacional. Ele também tinha essa mesma confiança com o Almirante. Foi um grande empresário. Quando eu vou a São Paulo atualmente, chegou e o Tuta, irmão do Paulinho, dono da Rádio Jovem Pan, manda vim me buscar no hotel com minha mulher e dois filhos pequenos. Participo de entrevistas e relembramos muitos bons momentos da minha vida em São Paulo.

Tem até uma curiosidade, numa época meu querido avô, que me criou, esteve muito doente, com um câncer... O Paulinho me telefonava quase todos os dias para saber como o vovô estava e se precisávamos de alguma coisa. Depois, quando saí da Record em 1963 e fui para a TV Excelsior, também em São Paulo, fui falar com o Paulinho... Expliquei que iria ganhar mais porque iria vender o meu próprio contrato e empresariar outros artistas, ele me respondeu: “Vá, Luiz. E se não der certo você volta pra cá. A Record é a sua casa!”. Graças a Deus deu certo e ganhei muito dinheiro!

T.M. – Você se acompanhava sozinho ao violão nos programas de rádio?

L.V. – Não. Eu sempre reuni músicos para me acompanharem. Na Record, eu tocava violão acompanhado pelo Regional do Carlinhos. Também trouxe pra lá o famoso Nonozinho de Recife, que já havia atuado na boate Lido, em Paris... Os franceses ficaram malucos com ele!

Um fato curioso é que quase ninguém usava acordeom em regional, quando fui para a TV Excelsior, mandei chamar um rapazinho, filho do Caçula, da dupla caipira Caçula e Mariano. Era o Caçulinha, que hoje está no programa do Faustão, na TV Globo. Estreamos na Excelsior juntos!

T.M. – Como era sua convivência com os colegas da Rádio Record?

L.V. – Eu sempre fui um sujeito bem relacionado e procurava me dar bem com todos ao meu redor. Tinha muita amizade, como frisei anteriormente, com a Inezita Barroso, a filha dela me adorava. Inês era minha irmã. Ela era maluca, ela entrava no carro e tirava os sapatos e acelerava mais que podia... Corria pra caramba! Assustava a gente. Fizemos muitos shows e programas juntos. Ela gravou uma porção de músicas minhas. Ela defendia o folclore paulista e eu as tradições nordestinas. Não existiam informações em profusão como hoje em dia. Era tudo desencontrado. Éramos sempre solicitados para festas, serenatas e apresentações nas mansões das famílias do society de São Paulo. O marido da Inezita sempre carregava o violão dela, um dia se cansou e eles se separaram... O Barroso era um cara bacana.

Nós íamos muito ao restaurante Parreirinha que ficava na Rua General Jardim, ali na Vila Buarque, que era conhecida como a “boca do luxo”, onde concentravam-se as grandes e melhores boates da cidade. Naquele momento eu namorava uma bailarina e um dia a Inês sugeriu que eu provasse perna de rã. Dizia-se que era deliciosa! Só que quando via aquela perninha esticada me lembrei da bailarina e não consegui degustar o tão famoso prato do Parreirinha, mas deixa pra lá (risos).

Aliás, eu não atuei em boates em São Paulo, se o fiz foi esporádico, em geral, eram contratos de 10 ou 15 dias corridos, minha vida era muito acelerada e eu ficava na cidade de sexta à segunda, depois voltava para o Rio, onde trabalhava de terça à quinta na Rádio Nacional. Na sexta, eu chegava à tarde em São Paulo e participava, às 17 horas, do programa O Clube Abre as Cinco, apresentado pela Sônia Ribeiro, esposa do Blota Júnior. No sábado fazia o meu programa e ainda participava do programa do Júlio Rosemberg, que era de auditório e ele sempre entregava diplomas pra gente. E tomava parte em outras audições que fosse solicitado, além do meu programa de TV. Bons tempos aqueles da Rádio Record!

Eu trouxe para São Paulo, a pedido do Paulinho Machado, os cantores Roberto Alves e Lúcio Alves, esses dois mais o Gilberto Milfont eram viciados em corridas de cavalo. Numa tarde estávamos na Rádio Record quando apareceu o jornalista Realli Júnior. Ele falou que tinha um amigo que trabalhava no Jóquei Club e que era meu fã, conhecido como Mané Sanfoneiro, era de Campina Grande etc, etc... Precisei acompanhar o Realli e fui conhecer o tal amigo. Chegando lá, ele fez aquela festa, tocou todos os meus baiões, cantou e até virou cambalhota...

No outro dia me encontrei novamente com o Roberto, Lúcio e Milfont, dessa vez na porta do Lord Hotel [atual San Raphael], no Largo do Arouche, e contei sobre o encontro e que o tal sanfoneiro tinha me dado uma “acumulada” com o nome dos cavalos ganhadores. Eles ficaram loucos, disseram que o tal sanfoneiro era conhecido e queriam a minha acumulada. Acontece que nós tínhamos ensaios e depois os programas na Record. Era só subir a Avenida São João para chegar lá. Só que demoramos umas três horas para fazer este pequeno trajeto. Começaram a contar histórias sobre cavalos e éguas do Jóquei e coisa e tal. E eu ali no meio da conversa toda... e a hora passando! Parecia coisa de louco... De repente, o Lúcio Alves lembrou do programa e começamos a correr para ver quem chegava primeiro na rádio... O resultado foi que chegamos atrasados, mas não perdemos o programa!

Outra vez também o Realli Júnior me apresentou o filho da sua empregada, era o Zé Di. Ele queria uma oportunidade no rádio, inclusive, já havia participado de um concurso de gaitas na Rádio Record. Ele era compositor e sambista, frequentava o ponto dos músicos - ali na esquina das avenidas São João e Ipiranga. Então, o aconselhei, dei livros para ele ler e se informar melhor, depois ele se tornou um compositor muito respeitado. Ganhou alguns desfiles com seus sambas enredos em escolas de samba de São Paulo e Rio de Janeiro. Foi outro afilhado meu.

Também assisti os grandes cartazes internacionais que a TV Record trouxe para São Paulo. Sammy Davis Júnior, que artista maravilhoso! Quase morri do coração quando vi no Teatro Record, da R. da Consolação, a atriz do cinema norte-americano Dorothy Lamour, uma diva da minha infância!!!

Às vezes aparecia lá na Record, para fazer propaganda do seu restaurante Cabeça Chata, um dos meus ídolos, o Manezinho Araújo. A gente ficava jogando conversa fora. Ele foi o maior cantor de embolada do Brasil. Ele se desiludiu com o rádio e deixou tudo em 1954, montou o Cabeça Chata lá no Rio. Mas o negócio não deu certo. Todos os produtos do nordeste, com a carne de sol, vinham pro Rio de avião, não se achava nada com facilidade e era caríssimo. Isso afetou os negócios do Manezinho e ele resolveu transferir-se para São Paulo, onde deu certo. Ele também foi pintor e vivia de vender suas obras e expô-las em galerias. Eu gostava de mais de conversar com ele, os meus outros ídolos foram os cantores Vicente Celestino, Moreira da Silva e Augusto Calheiros.

Palacete Lara, Rua Quintino Bocaiuva, 22,
antigo prédio da Rádio Record.
Foto: Thais Matarazzo


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