Entrevista Luiz Vieira - parte 3


     Luiz Vieira e Elizeth Cardoso na Rádio Record em 1955


 Entrevista realizada por Thais Matarazzo em 2012 com Luiz Vieira, no Rio de Janeiro, para o livro A Música Popular no Rádio Paulista, 1928-1960.
Continuação...

T.M. – Você ganhou o cobiçado Troféu Roquete Pinto, das Emissoras Unidas?

L.V. – Ganhei uns dois ou três, não me recordo direito... Eu fui laureado com muitos troféus. O mais importante pra mim foi ter recebido o Prêmio Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, criado pelo jornalista Claribalte Passos, que assinava a coluna Discoteca no jornal Correio da Manhã. Os artistas que mais vendiam discos, de música nacional - popular e erudita -, recebiam a estatueta em bronze Euterpe. Entregue com uma medalha e um diploma durante uma gala no Theatro Municipal do Rio. Uma coisa maravilhosa!

T.M. – Você participou do programa Alegria dos Bairros, conhecido entre os artistas do cast da Record como “Tristeza dos Bairros”?

L.V. – Risos. Sim, eu estava na estreia deste programa em 1955. A Record adquiriu um ônibus de viagem, muito bacana, que leva os artistas da porta da emissora até o cinema de bairro onde teria os shows. O programa era no domingo, das nove horas ao meio-dia. Então você imagina: a maior parte dos cantores também atuavam em boates na madrugada, diversos acabavam ficando acordados até o dia seguinte para comparecerem ao programa, e outros detestavam acordar cedo, daí o apelido “Tristeza dos Bairros”. Os apresentadores eram o Geraldo Blota, Randal Juliano e, de vez em quando, o Blota Júnior e o Raul Duarte. Sobre este último, eu esqueci de contar uma passagem no começo da nossa entrevista: foi o Raul também que sugeriu meu nome para o Paulinho de Carvalho. Porque, em 1951, eu tinha gravado um disco 78 rotações para a Todamérica, e uma das faixas era o baião Pai, acende o lampião, parceria minha com meu amigo maestro Ubirajara dos Santos. O humorista Pagano Sobrinho pegou o disco lá na discoteca e usava refrão da música que diz: “Ô pai por caridade / acende o lampião / que eu sou menor de idade / tenho medo da escuridão”. O Pagano estava estourado de sucesso, ele contava uma piada e arrematava: “Morô? O pai por caridade acende o lampião...”, e a turma se divertia à beça! O Raul Duarte quis saber de quem era o baião e o Pagano disse que era de um tal Luiz Vieira... E mostrou o disco. Raul Duarte era cunhado da cantora Alda Perdigão que gravou a minha Guarânia da Saudade.

Em 1955, o Pagano e eu gozávamos de grande cartaz na Record, assim como a Isaurinha Garcia, e éramos escalados para o fim do programa Alegria dos Bairros, entrávamos lá pelas onze e meia. Portanto, podíamos dormir até mais tarde e não precisávamos pegar o ônibus às sete da matina.

O Pagano morava nos Campos Elíseos, na Alameda Barão de Limeira, o lugar era conhecido como “boca do lixo”. Ele tomava o táxi e me pegava na porta do Lord Hotel, ali na Av. São João e nos dirigíamos para os bairros paulistanos. Esse período de regalia reinou até que apareceu o Carlos Gonzaga, em 1958, e estourou com a versão de Diana (gravação original de Paul Anka). E tem mais histórias: eu era “cangaceiro” nos anos 50, usava cinto de fivela larga e andava armado, era mais para folclorizar do que por valentia... Mas eu acabei dando uns tapas em dois artistas, primeiro no Ronnie Cord, filho do maestro Hervê Cordovil, que me desacatou durante um dos programas Alegria do Bairro. Ele apanhou de mim e em seguida do pai. Depois, foi o Carlos Gonzaga. Ele teve uma atitude antiética. Eu sempre tive o cuidado de entrar enquanto o artista anterior estava sendo aplaudido, assim não o atrapalhava e também ganhava palmas. Naquela época, o público desses cinemas de bairros vinham abaixo de tanta euforia. Certa vez, estava terminando o meu número para depois o Geraldo Blota anunciar o Carlos Gonzaga. Ele não esperou eu terminar minha música e entrou, não sei se foi de propósito ou não. A plateia começou a aplaudi-lo. Esperei ele terminar de cantar e voltar para a coxia. Não teve dúvida, quando ele entrou fui tirar satisfação. Já cheguei batendo nele. Foi horrível. Tirei o revólver da cinta, mas não atirei, foi só para amedrontá-lo. Formou-se aquela confusão e barulho!!! O Geraldo Blota veio até lá ver o que estava acontecendo e apaziguou a situação... Nunca mais ele me desacatou!!!

No Alegria dos Bairros eu também tive uma das maiores emoções da minha vida: num dos primeiros programas eu fui cantar num cinema no Brás, era o Piratininga, na Av. Rangel Pestana, tinha mais de três mil pessoas. Acho que era o maior cinema de São Paulo. Anunciaram-me, eu entrei e quando comecei a cantar Menino de Braçanã, o público entrou comigo e aquilo me arrepiou! Três mil vozes juntas!!! Eu quase desmaiei de emoção! Nunca imaginei que um dia iria escrever uma música e que ela estaria na boca e no coração do povo. Acho que foi a maior emoção que eu tive com artista... Comecei a chorar e todo mundo cantou comigo. Essa sensação é algo indescritível de emoção e beleza... Você se cega diante de tanto encanto! O período em que estive na Record foi um momento auspicioso da minha carreira...

Eu herdei toda essa musicalidade da minha avó paterna e da minha mãe, que era portuguesa de Trás-os-Montes. Engraçado, já viajei para tantos lugares do mundo e somente à Portugal que nunca deu certo... Em 1974 a minha grande e querida amiga Maria Alcina, fadista, viajou de volta a sua terra e perguntou qual presente eu queria que ela trouxesse de lá, respondi. “Traga terra e sementes da terra da mamãe”. E ela trouxe, tenho um frasco com terra de Trás-os-Montes que fica na cabeceira da minha cama até hoje...

T.M. – Mesmo após deixar a Record e a Excelsior, em 1965, você vinha constantemente a São Paulo?

L.V. – Nessa época eu me casei com uma paulista e tive meu primeiro filho (1958), também chamado Luiz. Morávamos em um apartamento no bairro de Indianópolis, perto dos estúdios da Record. Acontece que desde os tempos da Excelsior, eu passei a vender meus próprios contratos e viajar por todo o Brasil sozinho. Em seguida, entendi que isso podia frutificar e eu sozinho ficava muito chato, comecei a convidar meus colegas para atuarem comigo em shows. Era muito difícil viajar de avião de um ponto para outro do Brasil, para o sul e o nordeste nem se fale! Tudo era caríssimo. A não ser quando tinham grandes eventos como aniversário de rádios e tevês. Como eu tinha o patrocínio da Varig, para quem fazia propaganda, conseguia fazer este intercâmbio com os artistas. Toda semana, para onde eu fosse, levava um cartaz comigo, eu fazia metade do programa e a outra ficava para o meu colega. E assim foram muitos anos. Tive programas fixos de TV em Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte e Curitiba. Veio a separação da primeira esposa. Depois quando meu filho Luiz ficou maiorzinho, levava ele também para fazer shows comigo, ele estudou música. Não fui um pai muito presente para o primeiro filho, devido ao excesso de trabalho, por isso, curto meus filhos gêmeos nascidos em 2007, do meu casamento com a Eurídice Pereira, que também cuida dos meus programas, da agenda, e produz o meu programa na Rádio Manchete AM 760, Eu Show Luiz Vieira / Minha terra¹, Nossa Gente, um dos pontos altos é o quadro Gente que Brilha, criação de Paulo Roberto na Rádio Nacional, que contava a vida de um artista no dia do seu aniversário, e continuo essa atração.

O rádio eu nunca abandonei. Desde 1946 quando fazia o programa Manhãs na Roça, na Rádio Clube do Brasil. Tinha ficado uns dois anos apenas secretariando o programa do Zé do Norte, não ganhava um vintém, mas adquiri experiência. Então, o Paulo Garamount, diretor-artístico, me contratou. Com a ajuda do maestro Ubirajara dos Santos, o “Bira”, fiz meu primeiro programa de músicas sertanejas e nunca mais parei. Sempre conto histórias, causos, faço homenagens aos meus colegas. É uma delícia ter um programa de rádio! Às vezes choro no ar sem nenhum constrangimento, é pura emoção e sensibilidade no coração!

         No programa Eu Show Luiz Vieira, s.d., vemos da esq. para dir., os cantores, n.i., Ataulfo Alves Jr., Maria Odete, Luiz Vieira e Sérgio Reis. Acervo: Eurides Vieira
                      

[1]   O programa de Luiz Vieira na Rádio Manchete foi encerrado em 2016 quando a emissora, com nova direção, alterou a grade de programação. No mesmo período, Luiz Vieira ficou doente e impossibilitado de continuar no rádio.  Eu Show Luiz Vieira / Minha terra, Nossa Gente esteve no ar por 36 anos, passou pelas radios Nacional, Rio de Janeiro, Carioca e Manchete.

 

Comentários