Um dia por vez... Quem vale mais?

 

QUEM VAI MAIS?

(Crônica 2 - 29/3/2021)


O que vou registrar hoje foi uma situação que assisti no ICESP no final de 2020. Uma passagem que me deixa emocionada todas as vezes que me recordo.

Era dia de fazer a tomografia computadorizada, quando cheguei ao andar para fazer o exame me deparei com uma lotação acima do normal. 

Ao me dirigir à sala de espera, notei que quatro mulheres falavam muito alto e discutiam sobre as suas vidas e vidas alheias. Faziam comparações e comentários maldosos, parecia que estavam numa franca concorrência para saber “quem era a melhor de todas”. 

    Duas delas usavam lenços na cabeça, estavam magras e pálidas, as outras duas tinham cabelos cumpridos e aparentavam estar bem nutridas. Trajavam blusas de mangas cumpridas, saias até os pés. Elas se tratavam por "irmãs", sendo membros de uma igreja evangélica. Todas moram na região da Grande São Paulo.

Em determinado momento uma delas comentou que quem as trazia até o ICESP era um irmão da congregação chamado João, pessoa bondosa e fraterna, ele morava em Cajamar, salvo engano, e uma vez por semana pegava a sua van e transportava de forma graciosa as pessoas em tratamento médico e seus respectivos acompanhantes - integrantes da igreja -, e os conduzia até os institutos do Hospital das Clínicas na Capital (são 9 institutos ao todo, sendo o ICESP um deles).

Voltando à conversa das mulheres, teve um momento que me deu vontade de sair daquele ambiente, já não suportava ouvir tantas "cobras", "lagartos", "venenos", e rosários de perfídias!

A primeira apontava que sua situação econômica era melhor que das suas "irmãs", pois várias pessoas da família trabalhavam e as lesões cancerígenas estavam estabilizadas; a segunda afirmava que enquanto muitos maridos abandonavam suas esposas ao saberem que foram diagnosticadas com câncer, o dela estava firme e forte ao seu lado; a terceira dizia que seus filhos eram os "melhores, maiores, maravilhosos, que não existiam iguais no mundo!", e pelo que ela escutou dos relatos das demais "irmãs", nenhum dos filhos alheios chegava aos "pés dos seus rebentos", e ela estava “quase curada”; finalmente a quarta, mais exaltada, para "não dormir no barulho das outras", levantou-se e começou a bradar que D'us a abençoou mais que qualquer outra mulher no planeta Terra! A situação dela - em todos os sentidos - era superior as das outras: estava aposentada aos 45 anos, sua família era perfeita, teve oportunidade de estudar e ser especialista em profissão (não falou qual era), e que acima de tudo, estava curada! Ia apenas a cada semestre ao ICESP para fazer exames de rotina e passar na consulta com o oncologista. Ela sim estava em plena vantagem!

Nem preciso descrever que as pessoas que ali estavam incomodadas com aquele falatório todo em elevado e estridente som! Até um segurança foi chamado para tentar conter o debate das comadres.

Até que outra mulher que estava sentada na última fileira de cadeiras se levantou com a ajuda de uma adolescente, andando com dificuldade, mas firme, e com o olhar decidido, dirigiu-se calmamente, apoiada em sua bengala, até à frente de todos e repreendeu as “irmãs”.

Ela também era da congregação. Pediu que elas parassem de dizer quem era a “melhor”, pois ali todos “estavam na mesma canoa”, buscando o tratamento ou a cura para o câncer e era preciso ter mais solidariedade. “Será possível que mesmo passando por um momento tão delicado de suas vidas, vocês ainda tem coragem de julgar quem é ‘melhor’ ou ‘pior’ a partir dos seus pontos de vistas, e ainda pior, colocar D’us na discussão, afirmando que ele gosta mais de uma do que da outra. A pegada não é essa, vocês ainda não entenderam o ‘recado da vida’. Quanta maldade, francamente!”, foi uma das falas daquela senhora que aparentava ter uns 40 anos e tinha uma enorme cicatriz no joelho esquerdo.

Encerrada sua fala, o silêncio foi absoluto.

Em seguida, ela prosseguiu na sua explanação: contou que durante dois anos sofreu horrores, na cidade em que reside os recursos para qualquer tratamento médico são escassos. Passou por diversos médicos do SUS e particulares, pois sentia dores excruciantes no joelho esquerdo. Nenhum profissional conseguiu diagnosticar o câncer. Ela fez diversos tratamentos e nenhum surtia o efeito desejado. Como funcionária pública, estava afastada do trabalho. Revelou que escutou de um médico que ela estava “fazendo corpo mole, coisa de vagabundos para não trabalhar e desejava se aposentar precocemente”. Indignada, mandou o doutor às favas e seguiu em frente. Com o passar dos meses já não conseguia se locomover nem com a ajuda das muletas, nem andador, precisou usar a cadeira de rodas. Até que foi encaminhada para uma consulta no ICESP. Quando lá chegou os oncologistas ficaram surpresos com o tamanho do tumor e como ela ainda estava viva! – foi o que ela relatou.

Rapidamente deu-se início à terapêutica e ela foi operada. Tudo decorreu muito bem. Em dezembro fazia seis meses da operação, e a mulher já estava conseguindo dar alguns passos.

Mesmo passando por tamanha aflição, ela não desistiu e em nenhum momento teve sua fé abalada.

Mãe de quatro filhos, de 16, 12, 8 e 4 anos, manteve a família unida, e o marido “segurou todas as pontas”. Seus parentes moravam no nordeste do país e ninguém tinha condições de viajar até São Paulo para socorrê-la. A jovem que a acompanhava era sua filha mais velha. A mãe fez boas referências à garota, de como ela a ajudou nos últimos dois anos, cuidou da casa, dos irmãos, dos pais, não abandonou os estudos, e nunca reclamou de nada. Os outros filhos também possuíam responsabilidades e cumpriam suas tarefas (com exceção da caçula), e como todos unidos, liderados pela matriarca, estavam superando aquele teste da vida.

E mais... Fora o auxílio do núcleo familiar, ela teve o apoio da família do sr. João, o motorista voluntário citado no começo da crônica. A esposa dele a visitava com frequência para ajudar nos serviços domésticos, os filhos mandavam guloseimas e presentes para as crianças e quando ela operou, se revezavam para dormirem com eles, pois o esposo da mulher doente ficou duas semanas com a cônjuge internada no ICESP.

Essa senhora também advertiu às “irmãs” que estavam reclamando enquanto  uma fazia um exame e fazia-se necessário esperar pelas outras para ir embora, que “se não fosse o irmão João, vocês teriam que vir de transporte público. Ele pega e deixa todo mundo na portas de suas casas, e sempre mantem um sorriso cordial nos lábios. Não reclama de ter que esperar por todos e dos gastos que desembolsa, pois não é pessoa rica, pelo contrário, é um trabalhador modesto. Mas a diferença é que ele serve a D’us e ao próximo com alegria e empatia através do voluntariado!”.

Ao final da sua apresentação, a mulher recebeu palmas dos pacientes e dos funcionários do instituto que estavam por perto.

Fiquei muito emocionada com a narrativa daquela mulher que nem ao menos sei o nome. Uma pessoa guerreira, forte, corajosa, persistente, e com uma confiança absoluta que tudo dará certo no futuro. Aliás, já estava acontecendo. Ela pensou que nunca mais voltasse a andar e... estava se recuperando graças a D’us e ao tratamento que recebido no ICESP!

Fiquei ali assistindo tudo até que chamaram meu nome para fazer a tomografia. Terminado o procedimento, encontrei com o meu pai na sala dos acompanhantes e fomos embora. No caminho contei rapidamente o que havia presenciado. Ao sairmos do instituto, vi novamente aquela mulher e sua filha, estavam junto com o sr. João, prontos para voltarem aos seus lares.

Só posso dizer que são pessoas deste naipe, simples, honestas e solidárias que merecem toda a minha admiração e respeito! São para mim fontes de inspiração!


Comentários