Um dia por vez... Bem-te-vi

 

BEM-TE-VI

(Crônica 4 – 20/4/2021)

Desde julho do ano passado, quando recebi o diagnóstico de câncer de mama metastático, não saí mais de casa, ou melhor, minhas saídas são restritas, e de carro, para consultas e exames no ICESP, e olhe lá!

Fiquei desalentada, como todo mundo, em não poder flanar pela cidade por questão de prevenção. Afinal, eu tenho “rodinhas nos pés”! Mas... a prudência é irmã mais velha da sabedoria e sigo à risca as recomendações médicas.

No fundo, confesso que fiquei abalada: será que... nunca mais poderia palmilhar por aí???

Mil dúvidas surgiram em minha mente. Acostumada que estava a sair, viajar, decidir meus caminhos... tudo tão livremente, sem interferências... Mas foi preciso aceitar, não é fácil, é um processo. Como é complexo vencer as lutas internas. 

Somente com o passar do tempo percebi a importância de me preservar duplamente: primeiro devido à pandemia do Covid-19, e segundo pelo tratamento oncológico que faz com que a imunidade do paciente fique baixa (um dos efeitos colaterais).

Nas idas e vindas ao ambulatório, no bairro de Cerqueira César, eu observava do alto do prédio ou através das janelas do carro, as pessoas nas ruas deslocando-se pra lá e pra cá. E meu desejo era estar entre elas, me movimentando como antes.

Quem tem uma família unida não pode ter felicidade maior. Digo isso sem errar! Meus pais sempre me acompanham nas idas aos ICESP. Ora um, ora outro. Mamãe é muito rígida (é “generalíssima”) e diz que papai “é fraco”, pois é mais flexível (ainda bem que existe este antagonismo!).

Uma tarde de dezembro, após a consulta com a querida oncologista dra. Paola, ela revelou que os exames confirmavam a eficácia da terapêutica e a diminuição de todas as lesões que possuo. Prova disso é que eu sempre dizia que estava me sentindo melhor, graças a Deus e a ciência! Meu pai sabia que estava angustiada por andar um pouco pelas ruas, era uma necessidade provar para mim que eu era capaz, então, sugeriu que fôssemos caminhando da Av. dr. Arnaldo até à Rua da Consolação, onde está a farmácia do instituto. Que felicidade!

Percorremos o trecho devagarinho e com todos os cuidados necessários. Conversávamos sobre a cidade, a arquitetura, as árvores, flores e as curiosidades de tudo o que avistamos. Parecia que nunca tínhamos passado por ali. Tudo estava reesignificado pra mim.

A minha satisfação era tamanha em perceber que estava em condições de me exercitar, ver as pessoas, o movimento, pisar o chão paulistano! Nem o barulhento som do intenso tráfego de veículos me desconcentrou. Aquele dia me senti plena, dona de mim, como nos velhos tempos...

Voltando ao trajeto da caminhada, quando alcançamos a Praça Marechal Cordeiro Faria, onde existe um antigo mirante (hoje não vemos nada além de prédios e casas), no chão estava um bem-te-vi. Ele estava cantando. Tão alegre estava que repeti: “Bem-te-vi! Bem-te-vi!”.

A partir daquele dia, todos os meses faço esse trajeto a pé, faça calor ou frio. É minha única saída mensal. Nunca pensei que pudesse valorizar tanto um pequeno passeio! Quanto contentamento e satisfação! É muito bom poder te ver, oh, querida São Paulo! Que prazer pisar tuas calçadas e ruas.

Bem-te-vi!

Bem-te-vejo!

 


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