Lágrimas das manhãs de sábado


Crônica de Thais Matarazzo

(12/6/2021)

Tudo que restou do nosso amor

São folhas que o vento soprou

E se perderam pelo ar

E as recordações me enchem de dor

Pois todo o fim de um grande amor

Me dá vontade de chorar

Hoje é “Dia dos Namorados” e me recordei de um causo interessante que aconteceu em um dia 12 de junho, mas o caso necessita de uma breve introdução.

O que vou contar já tem uns bons anos.

Após uma semana intensa de estudos e trabalho, minha alegria era quando chegava o sábado!

Acordava cedinho, tomava um bom café da manhã e rumava para a Rua General Osório, 46.

Esse é o endereço da Contemporânea, loja de instrumentos musicais, no bairro de Santa Ifigênia.

Todo sábado acontecia nos fundos da loja, na sala “Evandro do Bandolim” uma roda de choro que seguia até às 14 horas. Como dizia meu amigo Luiz Amorim, “era o melhor show da cidade e grátis!”.

Lá encontrava vários amigos e ouvíamos música de boa qualidade, instrumental e cantada.

Além da música, também aproveitávamos a gastronomia local: diversas vezes, almoçávamos a deliciosa feijoada no “Amarelinho”, lanchonete no lado oposto da rua, instalada num antigo sobrado do começo do século passado.

Eu conheci a roda por volta de 2004/2005, levada pelos amigos Luiz Amorim e Vander Loureiro. Nos conhecíamos porque frequentávamos às reuniões dos colecionadores das tardes de terças-feiras no Pátio do Colégio.

O Vander, cantor e fã de Silvio Caldas, sempre nos convidava para irmos até à Contemporânea. Protelei várias vezes, pois a região de Santa Ifigênia nunca foi segura.

Mas que bobagem!

Depois que conheci a roda de choro, quase todos os sábados passei a “bater cartão” na loja. E quando adentrávamos a “Sala Evandro do Bandolim” já encontrávamos o slogan do espaço “O Choro é a nossa Alegria!”.

Quanta gente boa me vêm à memória: Arnaldinho do Cavaco, Turquinho, João Sorriso, Maria Luiza, Maria, sr. Jamil, Paulinho do Bandolim, Eurides, Luizinho, Silvilí, sr. Antônio Gallani...

O proprietário da loja, o sr. Miguel Fasanelli (falecido em 2009), recebia a todos com um cordial sorriso e satisfação. Tinha orgulho de promover a roda de choro e congregar os amigos, músicos, cantores, e amantes da música. Ao seu lado sempre estava o Sérgio, seu sobrinho e braço direito, muito simpático como o tio.

Dois habitues da roda eram Dona Inah e Marco Bailão, seu companheiro e violonista.

Dona Inah e músicos na Roda de Choro da
Contemporânea, 2007.
Foto: Thais Matarazzo


Dona Inah costumava cantar um samba canção que machucava os corações despedaçados, ou como a turma dizia popularmente, “corações em estado de dor de cotovelo”: 

Todo verso triste que eu puser numa canção

É o meu coração que chora

E eu fiquei assim quando você

Sem dizer adeus foi indo embora

 Os versos que ilustram esta crônica são da música Vontade de chorar, de Ivor Lancellotti e Paulo César Pinheiro, gravada originalmente por Clara Nunes, e que Dona Inah costumava cantar na Contemporânea.

Interpretado com todo sentimento e emoção pela voz rouca e aveludada da querida cantora, e acompanhado pelo excelente regional comandado pelo Arnaldinho do Cavaco, o samba canção sempre atingia a sensibilidade de algum romântico!

Muitas lágrimas rolavam nas faces daqueles que traziam os corações machucados. Era “batata”, bastava eu olhar para os lados ou para trás e alguém da assistência estava em prantos.

Teve uma vez, lembro-me que era “Dia dos Namorados”, apareceu por lá um anônimo e sentou-se no primeiro banco de madeira da sala, ao lado da porta de entrada. Neste sábado, eu estava tirando algumas fotos e sentada de costas para esse senhor.

Pela minha voz e meu olhar todos verão

Como eu vivo triste agora

E eu não posso mais com a minha dor

Porque qualquer canção de amor,

me dá vontade de chorar...

 Esta é a estrofe final da música. Quando o regional tocou a última nota, escutei o tal homem num choro compulsivo, parecia fortemente abalado.

Acabou chamando a atenção de todo mundo.

Logo, alguém perguntou se ele estava passando mal, se queria um copo com água... Ele não respondia! Criou-se grande expectativa.

Demorou uns minutos para ele se conter e explicar que fazia poucos dias que sua namorada o havia trocado por outra pessoa. Ele estava inconsolável! Naquela manhã, ele estava caminhando pela General Osório quando escutou a música da calçada da Contemporânea e resolveu entrar.

Com a situação esclarecida, a roda voltou a “ferver”.

O homem ficou lá mais algum tempo e chorava sem parar.

Por volta das 13 horas, me despedi da turma e saí para ir embora.

Encontrei o tal anônimo na porta da loja, ele estava se desculpando com o sr. Miguel pelo “papelão”, mas afirmou que “estar ali foi providencial para ele, pois chorou toda sua dor de amor e sentia-se aliviado para partir para outra paixão”.

Por fim, comentou que naquele 12 de junho iria para um baile da terceira idade, na Vila Prudente, para arranjar nova namorada!”.

Em seguida, partiu e nunca mais o vimos por lá. 

E eu não posso mais com a minha dor

Porque qualquer canção de amor,

me dá vontade de chorar...

Dona Inah interpreta "Vontade de Chorar" na Contemporânea.

Acervo e gravação Kika Fragatte


Comentários

  1. tonhodopaiaia@gmail.com13 de junho de 2021 às 03:45

    Que amor de causo, Thaís! Como é bom ter-se a música como referência, encontros e formação de amizades!
    Parabéns pra ti, belamiga🌹👏👏👏

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