O enfermeiro Zé
(Crônica 10 – 20/6/2021)
O Zé,
como ele é conhecido, trabalha no andar das aplicações de infusão quimioterápica
do Icesp.
Como
tenho metástase óssea, trimestralmente recebo a aplicação do Zometa (já estou
na quarta), um remédio que inibe a
reabsorção óssea, indicado para tratar e prevenir problemas relacionados com o
esqueleto, incluindo o câncer.
Geralmente essas aplicações acontecem no 11º andar. Desta feita, me encaminharam para o 12º, n box que trabalha o Zé e mais duas colegas.
Fui a primeira a chegar e o Zé logo começou a puxar conversa. Perguntou como eu estava, pediu para me acomodar em uma das oito poltronas verdes do box, e por fim, falou para ficar à vontade.
Conversador por natureza, solicitou à colega que acessasse o site da rádio Nova Brasil FM e colocasse música para animar o ambiente, "Pois sem música aqui fica fica fúnebre. Precisamos de alegria!", disse o enfermeiro.
Notei pelo seu sotaque que era mineiro, uai. Perguntei para confirmar e ele afirmou que era de Minas Gerais, mas fugia ao padrão do "mineiro que come quieto" e ser introspectivo. Ele gosta de festa, de prosear, de todo sábado fazer uma feijoada, reunir a família e os amigos, de boa música, música divertida para "sacudir o esqueleto, de preferência". Tem também uma netinha que é a sua paixão!
Não demorou para aparecerem outros pacientes e o Zé recepcioná-los com aquele bonito sorriso.
Esse atendimento faz toda a diferencia, deixa o paciente e os acompanhantes mais à vontade, afinal receber palavras e ações de carinho e acolhimento são imprescindíveis para os pacientes que já sofrem tanto com as enfermidades, seus desdobramentos e os efeitos colaterais.
Quero registrar o caso de um dos pacientes que esteve lá naquela manhã, também para receber a aplicação do Zometa. Um senhor de cabelos brancos, altura mediana, deve ter mais ou menos uns 65 ou 70 anos, veio acompanhado da sua senhora.
A esposa muito paciente e dedicada estava um pouco aborrecida. O Zé perguntou o que se passava. Ela respondeu que o marido parece um "bebê chorão", e ela estava cansada de ser a "mãe" e não a cônjuge.
— Ô seu Zé — o homem também se chamava José — que coisa! O senhor é um homem experiente, está com ótimo aspecto, e porque essa manha? O senhor está sentindo alguma dor ou mal-estar? — sapecou o enfermeiro.
O xará que até então estava murmurando, de cabeça baixa e olhos fechados, esticou o pescoço, mirou a esposa com os olhos arregalados. Depois, olhou para o profissional da saúde e respondeu que estava bem e sem dor.
— Vamos fazer uma coisa, seu Zé: sua senhora vai esperar lá na outra sala, com os demais acompanhantes, e caso o senhor precise de qualquer coisa, ela vem até aqui, pode ser? — advertiu o xará.
Sem saída, o senhor para "não fazer feio", dispensou a mulher, que saiu dali com um ar de alívio. As outras duas técnicas de enfermagem e os demais pacientes riram discretamente - incluindo a minha pessoa.
O homem mudou de atitude, até arriscou sorrir. Os xarás conversaram um tempão para passar o tempo enquanto era feita a aplicação do remédio. Ficamos sabendo que aquele senhor também era mineiro, de Pouso Alegre, e ele sentia um certo ciúmes da consorte, pois ela dividia suas atenções com o marido, filhos e netos. E como ele está doente, acredita "que precisa de maior dedicação!".
— E seus outros familiares não "dão bola" para o senhor? — questionou o enfermeiro.
— Sim. Com a pandemia, filhos e netos não aparecem sempre, o que é muito bom, assim não divido a esposa com eles! — replicou o paciente.
— Que coisa feia, seu Zé! Já estou percebendo que o senhor é dominador. Não pode, não. — falou o outro Zé.
— Sabe o que é, cá entre nós, é que quando estamos só nós dois, podemos namorar à vontade. Entendeu, uai! — confessou o senhor. — E como diz o ditado: "quem não chora, não mama"...
— Seu Zé, seu Zé... Então toda essa manha é uma tática? — inquiriu o enfermeiro.
E o senhor piscou confirmando.
Nem preciso dizer que todos caíram na gargalhada.
Na vida, precisamos ter senso de humor para espantar as melancolias.
O enfermeiro Zé é daquelas pessoas que espantam qualquer tristeza, não é sempre que encontramos pessoas assim.
Por isso, viva o enfermeiro Zé!
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