VOVÓ DO PITO E O MENINO PAULO*


Caminhar pela memória para quem gosta de história é um exercício fascinante! Quantos territórios, personalidades, acontecimentos e surpresas podemos encontrar?

O poeta Paulo Bomfim conheceu a Vovó do Pito na infância. Uma personalidade queridíssima dos paulistanos nas primeiras décadas do século XX. Uma tarde, durante uma conversa falou sobre a vovó para a escritora Thais Matarazzo.

Seu verdadeiro nome é Adelaide Antônia das Dores, nasceu na senzala de uma fazenda na cidade de Sorocaba, SP, em 10 de dezembro de 1823, um ano depois da independência do Brasil. Casou-se jovem e teve dois filhos que morreram na infância. Seu marido foi enviado para a Guerra do Paraguai e lá morreu. Só soube da notícia alguns anos depois, quando dois de seus irmãos regressaram a Sorocaba. Voltaram como heróis e ganharam suas cartas de alforria. “Siá Adelaide”, como era chamada, recebeu a liberdade pela morte do marido.

Então, resolveu arrumar seus parcos pertences e transferir-se para a Capital da província. A viagem foi no lombo de uma mula junto de um grupo de tropeiros. Chegando a São Paulo, conseguiu empregar-se como cozinheira e quituteira. Passou por diversas residências abastadas. Por onde trabalhou deixou boas impressões e sentimentos afetuosos.

Siá Adelaide foi um ponto fora da curva. Personalidade carismática, fazia amizade com pessoas de todas as classes sociais. Altruísta, bondosa, generosa e comunicativa tornou-se uma figura popular das mais queridas da cidade.

Sua marca registrada era um pito longo, por isso, era conhecida como “Vovó do Pito”. Também usava saia longa florida, blusa de chita de mangas longas, chinelinhos, chapéu de palha de aba larga, sacolinha de pano, e um terço pendurado na cintura.

Ainda na década de 1910 começou a frequentar as redações dos jornais. Era sempre recebida com esfuziante alegria pelos repórteres. A partir de então seus aniversários eram anunciados nas páginas dos diários.

Também fez amizades com os motoristas de praça e com os acadêmicos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Costumava distribuir bênçãos a todos e chamava os jovens de “meus netinhos”.

Foi torcedora fanática do Palestra Itália, não perdia os jogos no campo da Água Branca. Quando achava que o juiz estava sendo desonesto com o seu time, ia até lá discutir com ele. Era saudada pelos diretores e diretores do alviverde.

Palmilhava diariamente pelas ruas centrais, vovó tinha “rodinha nos pés”! Seguia devagar contrapondo a febre da cidade em constante progresso. Felicitava as pessoas, era paparicada e ganhava olhares curiosos de quem não a conhecia. É possível ver a sua figura, embora rapidamente, aos 59 minutos do documentário São Paulo, a Sinfonia da Metrópole, de 1929, lá está a Vovó a andar pela Av. São João (disponível no Youtube).

Sobre suas memórias de menino, Bomfim registrou “Vovó do Pito embalava a cidade com cantos africanos”.

A vovó veio a falecer em 21 de novembro de 1934, aos 110 anos de idade. Foi como um passarinho. Os jornais noticiaram com pesar aquele passamento. A cidade acordou entristecida com essa partida. Foi enterrada no Cemitério do Araçá, tendo o cortejo saído da Av. São João e acompanhado por dezenas de populares, jornalistas, acadêmicos, diretores e jogadores do Palestra Itália e outras personalidades da cidade.

Todas estas histórias e muito mais podem ser conferidas no livro “Vovó do Pito e menino Paulo”, de Thais Matarazzo e com ilustrações de Camila Giudice, lançado pela editora Matarazzo Artes e Livros. matarazzoeditora@gmail.com


* Publicado anteriormente no jornal Linguagem Viva, Ano XXXII, Nº 396, Agosto/2022, p.4.


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