Nos calos dos bois

Crônica de Thais Matarazzo

Dias desses assistindo um programa de televisão, uma repórter questionava pedestres na rua sobre aonde aquelas pessoas estavam em determinada data. 

Alguns estranhavam a indagação, outros não sabiam responder, outros não lembravam, até que um homem, com ares poéticos e um sorriso amarelo respondeu:

- Ah, nessa época aí eu tava na eternidade!

Esse caso me fez lembrar de uma passagem engraçada da minha época de pesquisadora em uma biblioteca paulistana, há uns 16 anos.

Eu realizava pesquisas em jornais e revistas antigos. Naquela época, o consulente era atendido em uma cabine. Fazíamos o pedido preenchendo uma burocrática ficha a requisitar o material a ser consultado. 

Vez ou outra quem me atendia era a d. Alzira - digamos que era esse seu nome -, uma senhora alegre e falante, usava sempre blusa regata, sandálias, calça jeans, tinha cabelos cacheados e loiros (pintados), olhos azuis, acredito que tinha, mais ou menos, 50-55 anos.

Certa feita, numa tarde quente de primavera, pedi para trazer todas as edições de um determinado título de 1937. Eram 4 ou 5 volumes encadernados e pesadíssimos!  

Lá foi a Alzira buscar o material. 

Dali uns 15 minutos, ela voltou empurrando um carrinho, resmugando do calor, do cheiro das revistas antigas, do peso, e sei lá mais o quê!

- Alzira, hoje você não está de bem com a vida? - provoquei.

- Hoje estou cansada e o dia não passa. Já trouxe tudo o que você pediu. Vê lá se não vai solicitar mais nada! - praticamente me ordenou.

Quando comecei a folhear a primeira revista, muito bonita, colorida e bem conservada, Alzira ficou olhando de soslaio as fotografias e os vestidos chiques que as mulheres usavam na década de 30.

- De que ano é isso mesmo? - perguntou.

- De 1937! - eu disse.

- Nossa, eu nem tinha nascido. Nessa época aí eu estava nos "calos dos bois"! - exclamou Alzira.

- Tava onde? - perguntei confusa.

- É, eu estava nos "calos dos bois"!

Não aguentei e comecei a gargalhar. Ela foi tão performática ao usar aquela expressão. Aí, ela começou a rir também.

Passou mais de 10 minutos até tudo se acalmar.

Depois, Alzira me contou que é do interior de São Paulo. Sua avó, lá na roça, tinha o hábito de dizer que quando alguma coisa "não era do seu tempo", era porque ainda estava "nos calos do bois".

Não podemos negar que a expressão é peculiar e divertida. Sobre a origem, não soube me explicar. "- É uma fala da turma da antiga!", comentou.

Gostei tanto da expressão que incorporei ao meu léxico familiar. 

Se aquela repórter tivesse tido a sorte de topar com a Alzira naquele momento, teria uma resposta bem interessante. 

Coisas lá do interior!

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