Sabor da Arte

 
Maria Josefa da Áustria e Otto Tressler

Conto de Thais Matarazzo

 Otto fez Maria Josefa sentir o prazer carnal que o marido nunca lhe proporcionara.

 Volúpia! Volúpia!, ela exclamou no segundo encontro íntimo do casal-amante.

Mulher reprimida pela sua posição social e pela devoção que dedicava à religião, ela pensava piamente ser a libido coisa proibida, pecado mortal! Assim aprendeu nas lições de catequese.

Depois dos dois filhos, considerava Otto a melhor coisa que acontecera na sua vida. Casou-se muito jovem e romântica, o marido, o arquiduque Otto Francisco da Áustria (homônimo do namorado), a traía constantemente, um homem belo e boêmio. A princesa Maria Josefa acreditava que a infidelidade era uma praga que sua irmã, a princesa Matilde da Saxônia, solteirona e invejosa, lhe rogara.

Mas, não, Otto já era garanhão desde os 15 anos de idade. Incentivado pelo pai e pelo tio, o imperador austríaco, experimentou “a fruta” e nunca mais a largou.

A princesa sofria grandemente pela deslealdade e falta de atenção do consorte. Acabou por se tornar beatapapa-hóstia, buscava na fé o refúgio para os seus tormentos. Todos na corte comentavam a sua extrema carolice, inclusive, a imperatriz Sissi.

O imperador Francisco José, com pena da sobrinha, apresentou-lhe o ator Otto Tressler. A simpatia foi instantânea. Nos encontros seguintes, na sala de jogos do grande palácio, o soberano incentivou a aproximação dos dois. A arquiduquesa ficava visivelmente ruborizada e constrangida, logo percebeu o real motivo daquelas recepções.

Você precisa divertir-se, minha querida Maria Josefa!, repetia o soberano.

Otto era extremamente cavalheiro, atencioso e meigo, tudo o que o seu xará não era. Não demorou para que ele passasse a privar o palácio de Maria Josefa. Dirigia-se para lá em horas pouco habituais, para não despertar a atenção geral dos criados e dos filhos pequenos da princesa. O marido estava sempre ausente, vez ou outra lembrava-se que tinha um lar e uma família.

Demorou quase um ano para Maria ceder aos apelos do ator para um “relacionamento mais particular”. Anteriormente, durante os encontros, eles conversavam, jogavam cartas e riam de coisas banais.

Como a arquiduquesa fosse reservada ao extremo, Otto teve que avançar aos poucos. Na primeira relação, Maria Josefa, cheia de receios e culpa, não conseguiu relaxar. Quase estragou tudo. Em seguida, Otto, bom estrategista, ficou quase dez dias sem aparecer.

Maria quase enlouqueceu e foi procurá-lo, encontrou-o. A expectativa da espera fez o ato ser prazeroso, levou a envergonhada princesa saxônica a um orgasmo delicioso, nunca imaginado.

Ela era uma dama acima de tudo, soube levar com classe o relacionamento aventuroso (e venturoso!). Com o tempo, os amásios tornaram-se amigos e confidentes. Maria acabou por lhe favorecer junto à classe artística vienense, Otto galgou importantes degraus e foi sempre agradecido à sua protetora e mecenas.

Essa vida de princesa é uma porcaria. Eu desejava que meus filhos fossem teus e contigo poder viver para todo o sempre, Otto!, bradou Maria Josefa.

Tu nunca cometerias esse deslize tão transgressor, minha querida arquiduquesa! Não faz parte do teu caráter, respondeu Otto.

Os agradáveis encontros duraram cerca de oito anos, quando Maria enviuvou, em 1906, após completar 20 anos de casada, resolveu dar um basta na vida dupla.

Nunca fora uma mulher fogosa. Sentia-se, agora, plena e terminou com o artista. Tinha 39 anos.

Agora sou uma mulher liberta de tudo. Viverei para os meus filhos, quero tranquilidade. Basta!, concluiu Maria Josefa.

No seu último aniversário, após a festa familiar, retirou-se para o seu aposento. Foi até a escrivaninha e da última gaveta tirou uma caixinha. Ali estavam algumas das cartas que trocou com Otto Tressler, agora um famoso ator de cinema.

Cheirou os papéis e os abraçou. Sentiu a terna e deleitosa lembrança dos seus encontros extraconjugais, e de como Otto a ensinara a conhecer melhor o seu corpo, a ter prazer e o sabor da amizade.

Ah, Otto, fostes uma das melhores pessoas que cruzaram o meu caminho!, confessou para si mesma, do alto dos seus 76 anos.

 *** conto inspirado na biografia de Maria Josefa da Saxônia e Arquiduquesa da Áustria (1867-1944).


Comentários