Lembranças, teatro e fotografias: uma homenagem a Chiquinho Brandão e Flávio Guarnieri

*** Crônica publicada originalmente na revista Escritores Brasileiros Contemporâneos, n. 20, janeiro/2021.

Flávio Guarnieri na peça Romão e Julinha, 1986.
Foto: Dacio Azevedo Rodrigues  / reprodução

Converso muito, por telefone, com a minha amiga Ana Jalloul. Papo vai, papo vem, e vira e mexe recordamos episódios das nossas infâncias ocorridas entre as décadas de 1980 e 90. 

Rememoramos livros, amigos, passeios, viagens, cinema, circo, programas de televisão e desenhos, brincadeiras de rua, brincadeiras na escola, e muitos outros causos.

São bate-papos tão agradáveis e divertidos, curto tanto que em uma tarde dessas decidi registrar algumas reminiscências em formato de crônicas para a revista Escritores Brasileiros Contemporâneos. Inauguro hoje essa série.

Para começar resolvi fazer um tributo a dois artistas brasileiros que já não estão entre nós, e dos quais guardo momentos de encantamento e carinhosa recordação como expectadora: os atores Chiquinho Brandão (1952-1991) e Flávio Guarnieri (1959- 2016).

Justamente na semana em que comecei a redigir o primeiro relato, deu-se algo interessante: entrou em contato comigo, por e-mail, Dacio Azevedo Rodrigues. Na mensagem, ele explicava que era autor de algumas das fotografias publicadas no bate-papo com a atriz e apresentadora Silvana Teixeira, edição nº. 18, de dezembro passado.

Dacio também explicou que era um amante de fotografias e fã da Silvana e do Chiquinho Brandão, “um ‘seguidor’ nos tempos em que nem se imaginava ainda uma internet”. Perguntei se ele tinha amizade com o elenco do Bambalalão, infantil exibido pela TV Cultura de 1977 a 1990, e ele afirmou que nunca pertenceu ao meio artístico e nem tinha amizade com os artistas. 

Fez vários cliques desses momentos, depois presentou a Silvana com cópias das fotos, e foram justamente essas imagens que a atriz nos enviou para ilustrar o bate-papo. Incrível!

Bambalalão, agosto/1986: Professor Parapopó 
(Chiquinho Brandão), Bamboneca (Helen Helene), 
e Pedrinho Pó-Pará (Álvaro Petersen).
Foto: Dacio Azevedo Rodrigues  / reprodução

Trocamos alguns e-mails e o Dacio revelou que possuí guardados os negativos de 35 mm. Informei que estava escrevendo uma crônica sobre o Chiquinho Brandão e o Flávio Guarnieri, gentilmente ele digitalizou alguns fotogramas e nos enviou para as páginas da revista. 

O leitor pode indagar: foi uma coincidência?

Total!

A colaboração das fotos chegou na hora certa, fiquei tão contente, e agora divido com todos vocês.

Imediatamente, alterei o arquivo da revista n. 18 e inseri os créditos do fotógrafo. 

Sobre o Chiquinho Brandão, Dacio narrou. “Passei também a admirar o Chiquinho Brandão cujo talento me conquistou ao assistir os seus divertidos personagens no ‘Bambalalão’ tais como o incrível Professor Parapopó e o galanteador Bambaleão. Naquela época, eu era um seguidor destes artistas e procurava não perder todas peças de teatro e eventos que houvesse a participação de algum deles. Assisti três vezes à peça ‘Ubu Rei’ montada pelo Grupo Teatral Ornitorrinco, com a brilhante participação do Chiquinho. As fotos do programa ‘Bambalalão’  foram feitas no Teatro Franco Zampari, cuja entrada era franca e as crianças eram acompanhadas pelos pais.”

Quando menina, eu era apaixonadíssima pelo Bambaleão, o leãozinho era animado pelo Chiquinho Brandão, também adorava o Teatro de Bonecos. Não perdia o Bambalalão por nada neste mundo, só para ver o quadro em que ele contracenava com a Silvana. Mais tarde, a dupla ganhou um programa curtinho que era exibido à noite, antes do Jornal da Cultura, uma graça! O Bambaleão paquerador, sempre cortejava sua amada, mas quando ele tinha uma atitude machista ou desagradável, levava “um toco” (como se diz atualmente) da Silvana. Então, ele contornava a situação de maneira muito engraçada.

Certa vez cismei que queria um Bambaleão de pelúcia. Quase deixei minha mãe maluca. Ela pesquisou em várias lojas de brinquedo e nada encontrou. Nem poderia achar, não era um brinquedo comercializado. Eu chorei, esperneei, dei cambalhotas, infernizei. Não me conformava. Para acabar com aquela birra, mamãe foi até a primeira loja que encontrou e comprou um leãozinho qualquer. Chegou em casa sorridente e com um embrulho nas mãos.“— É o Bambaleão?” — indaguei. Ela balançou a cabeça de forma positiva. Ao arrancar o laçarote e desembrulhar o pacote, eis que... tcham: era um ge-né-ri-co! Quanta decepção. Não deu outra: joguei a pelúcia de lado e dei uma das minhas respostas malcriadas (era minha especialidade). Indignada, então, mamãe me presentou com uns tapas!

Silvana, Bambaleão e Chiquinho Brandão.
Foto: Dacio Azevedo Rodrigues  / reprodução

Quando os artistas do Bambalalão realizavam espetáculos, sempre anunciavam no programa. Eu tinha entre 5 e 6 anos quando escutei a Silvana falando que, junto com outros colegas do elenco, estaria se apresentando no Teatro de Cultura Artística na peça Romão e Julinha. Fiquei maluca e pedi ao papai que queria assistir o espetáculo de qualquer jeito.

Nós fomos e fiquei absolutamente encantada! Os protagonistas eram a Silvana e o Flávio Guarnieri, havia outros atores, música, bailarinos. Produção caprichada.

A peça baseada no livro homônimo de Oscar Von Pfuhl é um infanto-juvenil de Romeu e Julieta, de Shakespeare, “transportado” para o mundo dos gatos. No reino de Gatopólis existe uma rivalidade entre os gatos brancos e amarelos. Os brancos são nobres, parentes do rei, e não pescam peixes, os brancos são plebeus, trabalham e pescam peixes. A situação vai ficando insustentável até que o rei declara a expulsão da cidade os amarelos. Passado algum tempo, a nobreza tem a sua reserva de peixes extinta. É declarada uma guerra, mas tudo é evitado devido à intervenção de Romão, gato amarelo, e Julinha, princesa e gata branca, que se apaixonam e trazem paz a Gatopólis.

Na minha memória afetiva foram guardados muitos flashs do espetáculo. Mas depois de ver as fotografias que a Silvana nos enviou para ilustrar o bate-papo, a recordação foi ficando nítida e me lembrei de diversos momentos da peça teatral. E quem fez as fotos? O Dacio!

Essa foi, então, a primeira feliz impressão que tive do Flávio Guarnieri. Dez anos depois, mais ou menos, em 1996/97, quando cursava o Ensino Médio, no colégio “Zuleika de Barros”, na Pompeia, o ator fez uma visita aos alunos. 

Na escola existe um grande teatro, estilo antigo e com assentos de madeira. Alguns professores pas-  savam todos os anos de sala em sala para saber quais alunos gostariam de participar do grupo de amadores. Todo final de ano o grupo apresentava uma peça, geralmente baseada em algum livro clássico da literatura brasileira, sendo um incentivo devido à época de vestibulares, coisa e tal.

Vez ou outra a Secretaria Municipal de Cultura levava espetáculos para os alunos, assisti várias peças excelentes. Diga-se de passagem, éramos “obrigados” a comparecer ao teatro, depois tínhamos que produzir uma redação que valia nota nas aulas de português. Para mim não era nenhum “sacrifício”, como diziam alguns colegas, sempre apreciei um bom espetáculo!

Regressando à visita do Flávio Guarnieri, o artista foi até à nossa sala. Foi um momento inesquecível, ele era amigo da família da Bianca, uma colega nossa e que fazia parte do grupo teatral do colégio. Logicamente que a nossa professora já estava prevenida e nós o recebemos com todo o entusiasmo. Guarnieri muito simpático e acessível respondeu às nossas perguntas e curiosidades, contou histórias, falou sobre seu amor à família, aos seus pais, Gianfrancesco Guarnieri e a jornalista Cecília Thompson, e seu irmão Paulo, também artista, e a paixão e dedicação às artes cênicas.

Nunca me esqueço quando ele narrou de forma espirituosa o fato de ter nascido na Capital portuguesa, como sendo um “acidente geográfico”, pois iria estrear em Lisboa a peça Gimba, o Presidente dos Valentes, de Gianfrancesco. Ele nasceu uma semana depois, e a notícia foi publicada em vários jornais, “não sei até hoje como minha mãe conseguiu embarcar no navio já estando grávida de nove meses. O meu nascimento foi noticiado nos jornais da cidade, já nasci tendo meu nome em cartaz”, brincou na época. 

Essas são as minhas memórias que desejava partilhar com vocês para esta primeira crônica, que ficou um tantinho extensa, por isso, peço desculpas ao paciente leitor.

Agradeço ao Dacio Azevedo Rodrigues pelo envio das fotografias. 

Valeu!

Silvana Teixeira e Chiquinho Brandão do 
programa Bambalalão na Premiação 
APETESP, em São Paulo, set./1986.
Foto: Dacio Azevedo Rodrigues

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