Tia Elvira

Crônica de Thais Matarazzo

Série "Memórias da infância"

Ilustração Alexandre de Morais Almeida

Aos 5 anos, fui matriculada no Colégio Mahatma Gandhi, na Freguesia do Ó, fundado pela psicopedagoga e orientadora educacional Elvira Rodrigues Brito, ou, como as crianças a chamavam, Tia Elvira.

Lá, aprendi a escrever, pois já lia. Guardo da pequena escola e desta professora as melhores lembranças.

O colégio funcionava em um sobrado, no alto de uma baita ladeira. Na calçada, um jasmineiro dava as boas-vindas aos alunos.

Havia um quintal que servia de pátio, na hora do recreio a Tia Elvira cantava conosco: “Meu lanchinho, meu lanchinho, vou comer, vou comer, pra ficar fortinho, pra ficar fortinho, e crescer, e crescer!”.

Eram três salas de aula, dois banheiros e uma cozinha. Os pais da tia Elvira também trabalhavam no estabelecimento de ensino, e uma irmã, acho que se chamava Célia, professora, que cuidava das crianças menores.

Com atividades lúdicas, teatro de fantoches, livros, quebra-cabeças, as aulas da tia Elvira eram fantásticas! 

Uma vez por semana, acredito que na sexta-feira, podíamos levar um brinquedo. Na sexta, existia menor rigidez, e minha alegria era escrever na lousa com giz colorido. Eu ficava pensando que, no futuro, queria ser professora.

A tia Elvira lia muitos poemas de grandes autores brasileiros, e eu ficava encantada com os poemas de Cecília Meireles. Memorizei rapidamente o Colar de Carolina, depois ficava declamando para minhas coleguinhas no recreio.

Com seu colar de coral,

Carolina,

corre por entre as colunas

da colina.

 

O colar de Carolina

colore o colo de cal,

torna corada a menina

 

E o sol, vendo aquela cor,

do colar de Carolina,

põe coroas de coral

nas colunas da colina.

A família da professora era evangélica e, virava e mexia, eles cantavam hinos. Eram afinados. Elvira tocava violão, mas gostava a valer quando ela cantava marchinhas de carnaval que conhecia de ouvir nos discos em casa , as cantigas de roda e populares, e O trenzinho do Caipira, de Villa-Lobos.

Ela era alta, magrinha, morena, seus cabelos pretos, lisos e brilhantes batiam na cintura, às vezes ela amarrava num rabo de cavalo, sempre usava saia comprida e calçava tênis. Sua voz era de contralto e volumosa. Era enérgica e ágil, mas paciente. Lembro que nunca gritava, resolvia tudo com diplomacia.

Quando fazíamos aniversário, ela liberava para que os pais dos alunos levassem bolo, docinhos e salgados. Era tão divertido!

Se, por acaso, ela soubesse que eu carregava na minha mochila um gibi. Ai, ai, ui, ui... lá vinha uma advertência marcada no caderno. Tal como minha mãe, ela também não aprovava a leitura de histórias em quadrinhos.

Lembro que, no dia da formatura do Pré, nós alunos tiramos uma foto com beca vermelha e cartolinha, como sempre, por não gostar de ser fotografada, saí “de cara emburrada”.

Fiquei nesse colégio por dois anos, minha irmã também estudou lá. Depois que eu saí, a Tatiane ficou lá dois anos. Ela não gostava de estudar e me pedia para fazer a sua lição de casa. Eu fazia “com os pés nas costas”, como se dizia, na condição de “mais velha e sabida” (que bobagem), porém... a astuta mestra conhecia a minha caligrafia. Então, Elvira carimbava no caderno da minha irmã um recado para minha mãe. E lá vinha bronca.

Li na internet que o Colégio Mahatma Gandhi encerrou suas atividades em 2010. Acredito que a tia Elvira continua a se dedicar à educação infantil.

Sempre que passo em frente à antiga casa que abrigou a escolinha, sinto a presença da saudade no meu coração infantil.


Comentários

Postar um comentário