Na praia de Copacabana com Rosária Meireles

 Crônica de Thais Matarazzo

(24/4/2022)

Irmãs Meireles: Cidália, Rosária e Milita,
trio de sucesso na década de 1940


Conheci a Rosária Meireles no verão de 2006.
Rosária foi uma cantora portuguesa que integrou o trio Irmãs Meireles, junto com as irmãs Cidália e Milita, na década de 1940. Fizeram um enorme sucesso na rádio e no cinema da sua terra. Não demorou para o trio cruzar as fronteiras e viajar pelo mundo a cantar.
Por volta de 2004 comecei a pesquisar mais a fundo a história da Rádio Record de São Paulo e seu elenco de cantores. Soube que a Cidália Meireles (1925 – 1972) fez parte do cast. Eu possuía em minha discoteca um LP da cantora, mas quase nada sabia a seu respeito. Foi então que despertou o meu interesse e passei a fazer anotações sobre a carreira artística da Cidália. Conforme a pesquisa avançava, consegui localizar no Rio de Janeiro, o Ricardo Seabra, filho da Milita (1928 – 2021). Nosso contato deu-se por carta e e-mail. Ele me relatou que sua mãe não gostava de conversar sobre o passado e seria difícil conseguir entrevistá-la. Mas, Ricardo é uma pessoa especial, e aos poucos conseguiu convencer Milita. Isso ocorreu após eu ter enviado um cd com gravações antigas e uma em especial, o registro de dois programas realizados na Rádio Nacional pelo trio em 1947.
Em agosto de 2005 meu pai me levou até o Rio e pude conhecer a Milita Meireles e sua família. Morava em um amplo apartamento, ricamente decorado, em Copacabana. Ela foi muito simpática, nos recebeu com tamanha cortesia e carinho, assim como o Ricardo. Conversamos bastante, ela me mostrou revistas e fotografias antigas. A palestra foi tão envolvente que quis saber mais sobre as Irmãs Meireles. Pois bem, quando estávamos para irmos embora, ela fez um convite para que eu e minha irmã fossemos passar umas férias em sua companhia. Melhor seria irmos em janeiro, época em que sua irmã Rosária costumava vir dos Estados Unidos e ficar no Rio de Janeiro.
Em janeiro do outro ano, minha irmã e eu viajamos para o Rio e ficamos hospedadas por alguns dias no apartamento da Milita, que nos recebeu com fidalguia e muito carinho. Foi fantástico!

LP "Canções de Portugal" lançado em 1955

          Conhecemos a Rosária que nos tratou com interesse e atenção. Tinha pequena estatura, magra, ágil e muito inteligente. Ela gostava de estar entre as pessoas jovens. Ficamos surpresas com a sua personalidade, uma mulher sincera e com mente aberta.

Rosária costumava ir todas as manhãs à praia de Copacabana e ficar lá tomando sol, apreciando a paisagem, não entrava no mar, mas levava uma caneca para pegar água e refrescar os pés. Era apaixonada pelo mar e pelo litoral sul carioca. Nós a acompanhamos naquela semana. Ficava sempre no mesmo ponto, alugava guarda-sol e cadeiras. Conhecia várias pessoas e saudava todos com a maior naturalidade, fazia contatos sem cerimônias. Lembro-me de um vendedor ambulante que oferecia aos banhistas o famoso espeto de camarão. Rosária sempre comprava os espetinhos por confiar naquele senhor.
Muito “boa de papo”, conversávamos sobre vários assuntos. Rosária nos dava conselhos e dizia que ela sempre foi avançada, mas viveu em uma época de repressão feminina. Seus pais zelavam com extrema rigidez as filhas artistas, eram jovens ingênuas. Apesar de terem ganhado fortuna, nunca tiveram acesso ao dinheiro. O pai controlava tudo. Ela dizia não ter mágoas do passado, pois “o que passou, passou. É preciso olhar para frente”, falava.

LP "Rosária" lançado em 1958

Discorrer sobre o tempo do trio não era o seu forte, sua vida foi muito rica em diversos aspectos, então, tinha muitas histórias para expor. Quando eu fazia alguma pergunta, Rosária preferia fazer referência à sua carreira solo, iniciada em 1954. Teve a oportunidade de estar dois anos nos Estados Unidos e alcançou êxito. Em 1958 regressou ao Brasil para visitar a família, mas pretendia voltar aos States para continuar a cantar. No Rio acabou conhecendo Adolpho, um empresário alemão, com quem se casou. Permaneceu a trabalhar até o nascimento da sua filha Pauline, em 1961. O casal morou em São Paulo e São José dos Campos, onde nasceu o segundo filho. Em meados da década de 1960, foram morar definitivamente na América do Norte, conforme desejo de Rosária.
De qualquer maneira, ela nos contou que já havia viajado pelo mundo, porém, nunca esqueceu o cheiro da maresia e da vista deslumbrante da baía de Guanabara quando veio para cá pela primeira vez em 1947. “Quando morrer, quero ser enterrada aqui no Rio de Janeiro. Não há no mundo lugar mais bonito do que a Guanabara!”, Rosária nos confessou.
Recordei desta passagem hoje à tarde ao saber, pelas redes sociais, do falecimento da Rosária Meireles, aos 95 anos, no dia 22 último. Ela estava residindo nos Estados Unidos junto com a filha Pauline. A notícia foi dada pelo amigo, pesquisador e escritor Paulo Borges, biógrafo do trio Irmãs Meireles.


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