Fragmentos da história de Zezé Macedo II - Por Thais Matarazzo

 


II Parte – PIMBAMBANO

“Possas tu no momento em que eu morrer

Estar junto de mim,

Abraçar-me teu braço protetor

Pois todos os amores me deixaram

E só ficaste tu:

berço,

agasalho,

flor.

Meu paizinho querido,

Meu mais puro amor!”

(Do meu diário, Meu Breviário, 1981)

Após o falecimento de Raul de Macedo, em janeiro de 1918, seu grande amigo Columbano dos Santos passou a dar incondicional apoio à viúva d. Etelvina e seus filhos. Ele nutria enorme afeição por Maria José, de sete aninhos, e a partir deste instante, assumiu-a como filha, fazendo-lhe todas as vontades.

Como achava o nome do padrinho complicado, Zezé o chamava de “Pimbambano”, e assim ficou para sempre.

Em 1919 a casa da família Macedo, à Rua Padre Ávila, 7, passa por uma reforma, incluindo a fachada (mantida até os dias atuais). Um ano mais tarde, no mês de junho, a residência foi toda decorada e uma enorme festa foi dada a fim de celebrar o casamento de d. Etelvina com o capitão Columbano.

O terceiro marido de d. Etelvina era natural de Rio Bonito, RJ, e tinha 40 anos, filho de Domingos Coelho dos Santos e Clara Francisca de Almeida. A esposa contava 47 anos, nascida em Barra de São João, atual Casimiro de Abreu, RJ, sendo filha de Joaquim da Silva Porto e Maria José Guimarães Porto.

Maria José era a caçula da casa, tornou-se mimada e caprichosa. Sentia-se feliz por receber o amor dos pais, do irmão João Antônio, e das outras 18 crianças e adolescentes criados por sua mãe.

Com apenas quatro anos cismou que deseja ir para à escola primária com os irmãos, fez tanta birra que a mãe cedeu. Inteligente e esperta, rapidamente foi alfabetizada. Em quatro anos tirou o seu almejado diploma. Sobre essa felicidade, ela descreve no poema Do meu Diário: 

Tenho oito anos. É novembro... e hoje

Toda de branco, num vestido novo,

Fita azul no cabelo, fui prestar exame

Na escola...

Da quarta série!...

Depois, falando ao povo

Eu disse um discurso decorado

(que pensavam que foi improvisado),

Que estava tão contente

Pois atingira a meta triunfal!...

A minha mãe...

Meu pai....

Prantos brilhando

de alegria,

Sinos badalando,

Rezando

Pela Ave-Maria...

Até breve, diário, meu amigo.

Aqui fica contigo,

A expressão

Do meu primeiro triunfo

Da minha primeira e maior

Mais digna emoção... 

No livro A menina do Gato (1997), Zezé Macedo registrou diversas memórias da sua infância. O título do livro faz alusão a um apelido que tinha, todos a chamavam da “menina do gato”, uma referência ao Paquita, um gatinho vira-lata criado em sua casa. Sua mãe dizia que o bichano tinha nascido em cima da filha, pois os dois não “desgrudavam”, eram companheiros inseparáveis.

A caçulinha tinha suas manhas infantis, a mãe bem que tentava corrigi-la, mas não adiantava. A garotinha fazia cada escândalo! Com seu jeito amoroso e delicado, era Columbano quem conseguia fazer sua filhinha comer, tomar remédio, estudar etc. “Hoje sei que o meu Pimbambano era um grande psicólogo. Ele falava ao meu coração, e eu fazia tudo quanto ele quisesse...”, narra Zezé em seu livro acima citado.

No futuro, em entrevistas e nos livros que publicou, Zezé Macedo sempre declararia seu amor filial ao seu segundo pai (ele a adotou oficialmente).  

Sobre a casa da Rua Padre Ávila, na verdade, uma chácara, Zezé registrou. “Nossa casa era ampla, cercada de árvores e flores. De cada lado, iguais e simetricamente plantadas, figueiras que davam figos doces e lindos. E também, de cada lado, um tinhorão gigante cor de bronze, que enfeitava a entrada. Depois, o imenso quintal e a parreira carregada de cachos de uvas, negras como o tucum. Uma jaqueira e, do outro lado, enormes mangueiras que davam sombra e frutos, e a imensa chácara onde nos perdíamos, gulosos e vorazes”. (A menina do gato, p. 15).

Na obra, Zezé também revela que desejava se chamar Esmeralda, o nome de uma de suas amiguinhas. “Um nome que quando a gente pronuncia, parece ‘ver’ o brilho verde de pedra”. 

“Aquelas mãos morenas e tão brandas,

Quais duas velas pandas,

Colocadas no mar de minha vida,

Foram sempre uma âncora querida

Salvando-me de abismo de mil mortes”.

(Poema das mãos, Meu Breviário, 1981) 

Foi “Pimbambano” quem despertou o amor pelo teatro em Zezé. Aos quatro anos, ela encenou, como protagonista, As pastorinhas, de autoria do seu padrinho. Ela não sabia ler, mas ele lia para ela, que decorava com facilidade.

Sua melhor amiga era Loló, que tinha muitos irmãos. As famílias ficaram muito próximas, pois eram vizinhas. Foi então que Columbano decidiu montar um grupo de teatro amador, tornou-se promotor da trupe, construindo um teatro para apresentações.

Uma vez, Zezé teve oportunidade de assistir, na sua cidade, uma peça da atriz dramática Ítala Fausta (1879- 1851). Foi naquele instante que ela teve certeza do que desejava ser. Acreditava que os artistas eram pessoas luminosas, e é verdade!

Sobre a ânsia em ser artista, ela contou à revista Radiolândia em setembro/1954: “– Apanhei muito porque, menina ainda, roubava os vestidos da mamãe e me enfeitava com eles para brincar de representar no fundo do quintal. É verdade que sujava os vestidos todos e a mamãe tinha razão de ficar brava. Mas é verdade também que naqueles brinquedos inocentes eu estava formando a razão de ser a minha vida... Cresci. Vieram sonhos, decepções, novos sonhos, novas decepções, que fazer, é a vida! Escrevi versos românticos, acreditando que poderia viver grandes dramas no teatro... Mas o teatro se distanciava cada vez mais de mim, embora meu pai, apaixonado por mim e coruja como todos os pais, tudo fizesse para me incentivar.

Aos 12 anos, Maria José começa a escrever seus primeiros poemas, mas não mostrava a ninguém, pois sentia vergonha. Seu grande incentivador era “Pimbambano”, também poeta e tribuno, foi tabelião, político influente, líder maçônico e militante do Espiritismo em Capivari.

Além do teatro, o circo também exercia grande fascínio na garotinha. Era comum as apresentações circenses em cidades do interior, faziam o maior sucesso. 

De noite, o circo todo se acende:

Luzes vermelhas, verdes, lilás...

A lona grande, em círculo, guarda

Tesouros lindos!

Trás, na vanguarda

Mágicas cordas que se levantam

De sobre toscos, velhos moirões...

(...)

Malabaristas de calças verdes

Casacos lindos a rebrilhar

Fazem nas mãos, caprichosamente

Mil coisas lindas, correr, saltar.

 E sobre o imenso arame estendido

Pula, certeira, a linda menina

(Por certo é deusa ou é bailarina)

Passos seguros, vai adiante...

Sua sombrinha de várias cores

Tem mil desenhos e tem mil cores.

É a sua vara, é o seu condão...

(O circo, Meu Breviário, 1981)

Tão encantada ficou pela moça do arame e sua sombrinha multicor, que certa feita, pediu ao seu primo Joaquim - um menino “endiabrado” -, para estender uma corda e amarrar em duas árvores. Zezé haveria de fazer bonito como a circense, arranjou uma sombrinha para dar equilíbrio e lá foi ela confiante! A colocaram em cima da corda, mas... no segundo passo: ploft! Caiu de cara do no chão... Que papelão!

 


 CONTINUA...

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